Museu do Porco...Outra vez?!!!
Assumir uma atitude pura e simplesmente passiva perante as últimas notícias sobre o museu do porco, repetidamente apregoadas pelo senhor Presidente da Câmara, será, da minha parte, pactuar, admitir e incentivar que a ideia de se criar o tal museu vá para a frente. Ora, segundo as minhas ideias, opiniões e nas quais não estou sozinho, muito pelo contrário, não o posso fazer.
Na realidade, já referi e escrevi em vários Fora que esta ideia é, no mínimo, peregrina, descabida, sem conteúdo e completamente esvaziada de substrato sociocultural. Além disso, não corresponde a nenhuma promessa política alguma vez feita pelo senhor Presidente. Não faz sentido, ponto final.
Fundamento a minha opinião nos seguintes argumentos: Mangualde (concelho actual) ao longo da História tem nas actividades ligadas ao porco as mesmas que qualquer outro concelho limítrofe. Bem, não consta que os outros concelhos tenham em mente fazer um museu do porco. Nem o Concelho da Benedita, e acreditem caros leitores que lá sim é terra de porcos, com todo o respeito, evidentemente.
Feiras sempre houve e desde a Idade Média que a sua criação teve na maioria dos casos o intuito de fixar as populações e contribuir para o desenvolvimento comercial das diversas comunidades. Os produtos aí vendidos eram vários, tal como hoje. Assim, a Feira dos Santos, que muita vez serve de justificação ao mentor deste projecto, como acontece na reportagem publicada no nº 97 da Gazeta Rural de 31 de Outubro deste ano, sempre foi uma feira onde tudo se vendeu, incluindo a carne de porco e as febras cozinhadas para as diversas gentes que a demandavam, antes e agora. Criou fama de ser uma feira boa e de aí se comer boa carne de porco, é certo, mas também tem boa fama de aí se poder comprar seja o que for. Não me parece que isto justifique uma qualquer teimosa ideia de criar um museu seja do que for.
Já escrevi e referi que se justifica, isso sim, e de forma urgentíssima, a criação de um Museu Municipal. E é fácil e claro perceber as razões que assistem a esta minha ideia e, atrevo-me a dizer, de praticamente toda a população mangualdense e, já agora, ideia que até há bem pouco tempo era também defendida pelo senhor Presidente…
A saber: o vasto espólio arqueológico que se encontra espalhado por diversos museus de Portugal, nomeadamente algum da Anta de Cunha Baixa que se encontra no Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa e também no Museu Municipal de Arganil, teria um lugar para “repousar na sua morada”; o espólio arqueológico das escavações da Quinta do Costa (Romano) em Guimarães de Tavares, deixaria as instalações da Associação Cultural Azurara da Beira (ACAB) e teria um lugar digno para ser exibido; o espólio arqueológico resultante das escavações da Quinta da Raposeira (Romano) e que também se encontra na ACAB, poderia ser dado a conhecer a todos os mangualdenses; os marcos miliários romanos que estão algures nos pátios da Assembleia Distrital de Viseu poderiam regressar ao lugar que lhes pertence por direito próprio; os diversos materiais arqueológicos resultantes de achados avulso que estão em muitas casas particulares, inclusive na minha, teriam a oportunidade de se darem a conhecer a toda a gente; a colecção de mós manuárias luso-romanas que estão na ACAB ficaria bem nesse museu; os diversos materiais etnográficos representativos da ruralidade de todo o concelho: ancinhos, gadanhas, foices, enxadas, charruas, alambiques, etc, etc, etc. seriam mostrados a novos e velhos; o vastíssimo acervo de pintura que artistas mangualdenses reputados nos legaram e cujas obras de alguns deles estão nas paredes de alguns gabinetes da Câmara Municipal de Mangualde e que nunca serão vistos por todos os mangualdenses, poderiam, finalmente, ser admirados por qualquer mortal; o vastíssimo acervo artístico e religioso que se enche de pó e que carece de conservação séria e que pode inclusivamente ser roubado, dado que muito deste material não está devidamente “guardado”, teria um espaço digno…
Bem, poderia arrolar mais uma série de materiais e outros bens que são e constituem a verdadeira identidade sociocultural das gentes do concelho de Mangualde e que justificam a urgência da criação de um Museu Municipal.
Será com a criação de um Museu Municipal que se perpetuará o passado, a História, na sua plenitude, a nossa identidade, no fundo aquilo que nos torna iguais a muitos outros, mas que certamente nos faz tornar diferentes.
Admito, naturalmente, que tal museu dedicasse uma “ala” à Feira dos Santos. Admito que tal museu exibisse numa “ala” aquilo que se poderia chamar de “ciclo do porco”, ou “do porco à febra”. Admito que nesse museu houvesse uma “ala” dedicada a qualquer coisa que ao longo da História nos caracterizou enquanto mangualdenses.
Lembro a este respeito que a Citroen (Hoje PSA), que durante anos deu vida e alma ao nosso concelho, e espero que continue a dar, poderia colaborar com uma “ala” dedicada ao automóvel, entre outras actividades económicas do concelho.
Não só admito como incentivo, nas várias tertúlias que vou tendo com pessoas atentas à cultura do nosso concelho, estes cenários todos.
O que terminantemente não admito, nem percebo é o porquê de tanta obstinação em volta desta ideia do museu do porco!
É que nem sequer se trata de uma promessa política. Aliás, gostaria de lembrar, a este propósito, ao senhor Presidente as promessas políticas que na realidade fez e não cumpriu e que agora substitui por esta parangona do museu do suíno. Assim, aqui vão elas:
Consulte-se o Boletim de Propaganda Eleitoral das eleições para o mandato de 2002-2005 da coligação liderada pelo actual presidente da Câmara e veja-se a página nº 4, no item Cultura, Desporto e Tempos Livres, o terceiro parágrafo diz: Construiremos um Museu Municipal.
Agora, caro leitor, vá ao Boletim de Propaganda Eleitoral do PSD para o mandato que corre ainda e veja a página nº 10, aí poderá encontrar no item Cultura e logo como primeiro item: Construção de um Museu Etnográfico e Arqueológico do Concelho de Mangualde.
Pois…a conclusão é simples: promessas… Promessas que nunca se concretizarão, sobretudo agora que foram repentina e inesperadamente substituídas pelo museu do porco.
Caros amigos e leitores, anima-me o facto de esta ideia do museu do porco não passar de mais uma ideia, de mais um motivo para encher páginas da Gazeta Rural…até porque lá é referido que tal projecto poderá avançar apenas no próximo mandato…Uma coisa é certa, a marca “Museu do Porco” já está registada pela CMM. Boa…Mangualde na vanguarda da rapidez…Anima-me o facto de esta ideia acabar como as outras, isto é, ser mais uma promessa não cumprida. Só que desta vez ainda bem.
Resta fazer uma pergunta mais: quem são os intelectuais que apoiam a ideia do museu do Porco? Pelo que li na reportagem da referida publicação é tudo ideia do senhor Presidente, sobretudo porque baseou a sua ideia na Feira dos Santos e nas toneladas de fêveras que ali se vendem e o substrato cultural que apoia tal ideia é as diversas maneiras como o porco é olhado pelas diferentes religiões do planeta e pela literatura…
Quanto ao local onde o senhor Presidente pretende instalar o museu do porco não haja dúvida que é muito bem escolhido: “o palacete da GNR”, até porque tem um espaço envolvente e uns belos jardins…até porque dá para fazer um restaurante onde se servirão pratos, sobretudo de carne de porco…resta saber quem será o brilhante “chef de cuisine” que será contratado…Será que o cozinheiro acumulará as funções de Conservador do Museu?
Bem, é normal nos diversos museus haver a “loja de souvenirs” onde se vende produtos relativos ao que é exposto. O senhor Presidente não falou nesta vertente, mas é natural que se venha a criar essa loja e aí possamos encontrar objectos como porta-chaves com a forma de um chispe ou belas fotos de varrascos campeões ou de belas porcas parideiras…
Tenho para mim a certeza que os mangualdenses e os turistas preferiam ver o Foral do Conde Dom Henrique e de Dona Teresa e o Foral de Dom Manuel, o 1º, do que visitar um qualquer espaço com o nome pomposo de Museu.
Mas eu admito estar errado, se calhar é melhor que os forais não sejam vistos por ninguém e se mantenham algures nos arquivos da Câmara Municipal até que se percam ou deteriorem em definitivo…
Falei desta ideia a um amigo meu que por sinal é ateu e o que ele me disse foi apenas isto: Valha-me Deus…
Em definitivo é para mim tarefa ciclópica e é necessária uma beneditina paciência para perceber e compreender o tão sofisticado pensamento cultural do senhor Presidente.