NEOARQUEO
14 outubro 2009
  ARDI, mais uma "mãe" do homem...
(apenas quero dizer que o título já não pertencia a Lucy, mas sim a Dikika. A autora do artigo não leu os relatórios dos últimos achados…)
Público, 02/09/09, por Ana Gerschenfeld

O título pertencia a Lucy, a "mulher-símio" fóssil da
espécieAustralopithecus afarensis. Mas, a partir de hoje, passa para
Ardi, uma fêmea deArdipithecus ramidus, hominídeos ainda mais antigos
- e cujo estudo, revela aScience, traz novidades fascinantes e
inesperadas acerca da nossa própria evolução

Há muito, muito tempo, a região de Afar, no que é hoje a Etiópia,
perto da actual aldeia de Aramis, 230 quilómetros a nordeste da
capital Addis Abeba, era um autêntico paraíso. Uma paisagem de
floresta esparsa, onde corriam cascatas de água doce, com zonas
densamente arborizadas, mas também com grandes extensões de pradaria.
Na floresta havia palmeiras, abundavam as figueiras e os lódãos. Era
um mundo povoado de caracóis, mochos, papagaios e pavões - e ainda de
ratos, morcegos, ouriços-cacheiros, hienas, ursos, porcos,
rinocerontes, elefantes, girafas, macacos e antílopes.

Também aí, entre os seus, vivia Ardi, uma fêmea de hominídeo
primitivo. Pesava uns cinquenta quilos e media cerca de um metro e
vinte. Vivia em grupo, criava os filhos e foi aí que morreu... há 4,4
milhões de anos.

O primeiro fragmento dos seus restos fossilizados - um molar - foi
descoberto há 17 anos por Gen Suwa, da Universidade de Tóquio, e
anunciado em 1994 na revista Nature. A seguir, entre 1994 e 1997, o
resto do esqueleto (só parcialmente recuperado), em mau estado e muito
fragilizado e disperso, com o crânio esmagado, foi minuciosamente
libertado pelos paleontólogos dos sedimentos onde se encontrava
prisioneiro. Mais de 125 fragmentos ósseos de Ardi foram assim postos
a nu: crânio, dentes, braços, mãos, pélvis, pernas, pés. E também
ossos de pelo menos mais 36 indivíduos da mesma espécie que esta fêmea
deArdipithecus ramidus, deste "símio do chão" (ardi, em Afar,
significa "chão"). E ainda milhares de ossos de dezenas de animais e
de plantas, que permitiram reconstituir, com um pormenor sem
precedentes, o habitat de Ardi e dos seus congéneres.

A recuperação e a análise destes achados demorou 17 anos e centenas de
pessoas participaram no projecto. E hoje, uma equipa multidisciplinar
de 47 cientistas, oriundos de dez países, publica na revista Science
nada menos do que 11 artigos descrevendo os resultados - alguns dos
quais põem em causa ideias estabelecidas da história evolutiva dos
grandes símios e dos homens.

Remontar às origens

A questão de saber como era o mais recente antepassado comum aos
homens e aos grandes símios - e em particular aos chimpanzés, que são
geneticamente os mais próximos de nós - é uma questão central da nossa
história como espécie e prende-se com coisas como a origem do
bipedismo, do crescimento espectacular do cérebro humano, etc.
Pensa-se que esse antepassado terá vivido há seis ou mais milhões de
anos - o que, diga-se já, exclui à partida a possibilidade de que os
hominídeos da espécieArdipithecus ramidussejam esse antepassado comum,
situados nessa bifurcação da árvore evolutiva dos primatas. Mas, mesmo
assim, os autores do estudo concluem que Ardi deverá ter sido bastante
parecida com esse misterioso antepassado comum - e com certeza mais
parecida com ele do que Lucy, o célebre esqueleto fóssil de uma fêmea
deAustralopithecus afarensis, uma espécie de homens-símios totalmente
bípedes, com um cérebro de pequenas dimensões, que viveu há 3,2
milhões de anos (mais de um milhão de anos depois de Ardi). Até ontem,
Lucy, descoberta em 1974 não muito longe de donde foi agora descoberta
Ardi, detinha oficialmente, com os seus congéneres, o título de mais
antigo antepassado conhecido da espécie humana.

"Ardipithecusé uma forma não especializada que ainda não evoluiu muito
em comparação com oAustralopithecus", diz num comunicado Tim White, da
Universidade da Califórnia e um dos líderes da equipa de cientistas.
"E quando olhamos para [Ardi] da cabeça aos pés, o que vemos é uma
criatura-mosaico, que não é nem chimpanzé, nem humana."

E é aí que começam as surpresas. Acontece que, até agora, os
cientistas concordavam em dizer que os chimpanzés, os gorilas e os
outros símios africanos modernos tinham conservado muitas das
características físicas daquele último antepassado que partilharam com
os humanos - ou seja, pensava-se que o antepassado em questão era
muito mais parecido com um chimpanzé, ou com um gorila, do que com um
homem. Por outras palavras ainda: enquanto nós tínhamos evoluído
imenso desde aquela altura, tornando-nos muito diferentes daquele
antepassado comum, os símios actuais tinham evoluído pouco desde
então. Ardi vem precisamente pôr em causa essa concepção das coisas.

Pensava-se, por exemplo, que o antepassado comum aos homens e aos
chimpanzés teria sido um ágil trepador, conseguindo pendurar-se nos
ramos das árvores, baloiçar-se e saltar de árvore em árvore tal como
os chimpanzés de hoje. E também que, tal como eles, caminhava apoiado
nos nós dos dedos das mãos. Mas não foi nada disso que os
investigadores descobriram ao examinarem Ardi. Como explica ainda o
comunicado acima referido, quando se encontravam no chão, os
hominídeos de Ardipithecuscaminhavam erguidos, apoiados nas suas duas
pernas (isto é sugerido pela anatomia dos pés). Uma outra ideia
estabelecida pode, aliás, estar em causa aqui: a que supõe que o
bipedismo dos hominídeos nasceu quando eles se lançaram para espaços
mais abertos, para a savana e não quando ainda viviam na floresta.
OsArdipithecus eram "bípedes facultativos", dizem os investigadores.

Um outro elemento surpreendente é que, conforme o que se pôde deduzir
da morfologia dos dentes de Ardipithecus, este hominídeo tinha uma
dieta diferente dos símios africanos actuais.

Por outro lado, Ardi não parece ter-se deslocado apoiando-se nos nós
dos dedos das mãos (é o que indica a anatomia das mãos e dos pulsos,
que não possuíam rigidez suficiente para isso). E também não parece
ter passado muito tempo a baloiçar-se ou pendurada dos ramos das
árvores. Pelo contrário, um dos artigos publicado na Science, dedicado
às mãos de Ardi, qualifica-a mesmo de "trepadora prudente", que subia
às árvores, disso não há dúvidas, mas que se deslocava de gatas pelos
ramos, ajudada pelo polegar oponível dos seus pés.

Se se confirmarem estes dados, isso significa, em particular, que os
chimpanzés não são um bom modelo desse misterioso antepassado comum
entre eles e nós - e que talvez um melhor modelo sejamos... nós
próprios! É o que parece concluir no mesmo artigo sobre as mãos de
Ardi a equipa de Owen Lovejoy, da Universidade Estadual do Ohio e
também um dos principais investigadores. "Esta descoberta", escrevem
na Science, "põe um ponto final a anos de especulação sobre o decorrer
da evolução humana. (...) Foram os símios africanos que evoluíram
imenso desde os tempos do nosso último antepassado comum, não os
humanos nem os seus antepassados hominídeos mais imediatos. As mãos
dos primeiros hominídeos eram menos parecidas com as dos símios do que
as nossas (....)."

Claro que nem todos os especialistas concordam com a interpretação dos
achados e que alguns dos peritos interrogados por uma jornalista da
Science, que acompanha a publicação dos resultados, permanecem
cépticos. Mas todos acolheram com grande interesse os novos dados e
acham que é agora que o debate vai começar.
 
<$Comentários$>:
A cicencia arqueologica, vem-nos a si e a mim e a muitos mais dar razao, quando nao concorda-mos que somos descendentes dos simios!

Um abraco dalgodrense caro Antonio
 
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