NEOARQUEO
25 outubro 2009
  O PATRIMÓNIO CULTURAL É UM LUXO?

Ainda hoje se pensa e actua, em vários sectores da sociedade, de acordo com a frase citada. Erro, puro erro.
Na Suécia, na Alemanha, na França, enfim, nos países ricos, olha-se e actua-se na Cultura e no Património Cultural de uma forma completamente diferente daquela que se verifica no nosso País.
Não ignoramos que as verbas atribuídas por aqueles Estados às entidades tutelares do Património Cultural, a dotação financeira atribuída aos Museus, às Casas de Cultura, a dotação de verbas atribuídas pelos diversos organismos gestores do Património Cultural da responsabilidade das autarquias são avultadas. Pode mesmo dizer-se que a penúria ou a diminuição do valor das verbas atribuídas, haja ou não crise económica ou financeira, dificilmente acontece.
Ao falarmos nestes países, ricos, verificamos que em termos de infra-estruturas básicas, em termos de desenvolvimento económico estão ultra desenvolvidos. Tendo este cenário como pano de fundo, é imediato o pensamento que invariavelmente responde à questão que abre esta reflexão.
Precipitadamente se pensa que o Património Cultural, a Cultura estão na cauda da ordem natural das coisas. Isto é, só depois de satisfeitas todas as outras necessidades humanas se pensa na Cultura e no Património Cultural, normalmente através da atribuição de um subsídio.
Na realidade, e na maior parte das vezes, este tipo questões é superficialmente abordado pelos nossos políticos, e mesmo pela opinião publica, pois a isso os conduz uma total desatenção e falta de reflexão sobre o que na realidade se passa naqueles países.
Desatentos, pois nas várias viagens que os responsáveis fazem ao estrangeiro pouco ou nada se interessam por estas matérias; pouco ou nada estão interessados em saber a forma como lá fora se actua e se executam as políticas culturais. Em consequência continuam a executar nos seus torrões uma política desadequada no tempo e da realidade do século XXI.
Esta é a realidade que ainda, infelizmente, grassa pelo nosso país, sobretudo em algumas autarquias.
Honra seja feita a muitas autarquias que constituem uma excepção. Honra seja feita ao governo que findou e que teve na sua praxis, e nas pessoas que colocou à frente dos vários organismos e equipamentos culturais, uma dimensão que contraria este modo de pensar e de agir.
O Património Cultural assume hoje um carácter decisivo e determinante para o desenvolvimento sustentado das populações.
A dimensão da gestão do património cultural é hoje em dia pragmática, sem descurar a ética; auto-sustentável, sem ser economicista. Urge, em última análise, inverter o discurso tecnocrático e anacrónico da gestão da cultura e dos equipamentos culturais.
Falar em gestão do Património Cultural pode assumir múltiplas facetas. Falarei apenas numa perspectiva, deixando as outras para novas intervenções.
A gestão do Património Cultural passa obrigatoriamente pela adopção de medidas, de políticas de auto-sustentabilidade. É nesta perspectiva que os diversos equipamentos culturais: museus, casas de cultura, centros de interpretação têm que se afirmar: ser rentáveis, têm que se sustentar.
Não se pense que a auto-sustentabilidade e rentabilidade destes equipamentos é directa ou apenas directa. Não, a lógica é precisamente inversa. Vejamos, então em que medida é isto possível.
É necessário encarar que um determinado equipamento, um museu, por exemplo, é um pólo dinamizador da cultura e das economias locais. Assim, a presença de um museu, dinâmico, gerador de actividades educativas e apelativas que atraia pessoas de todos os lados, que impulsione o denominado “turismo cultural” faz desenvolver as actividades económicas dessa região.
Já o afirmei por algumas vezes, neste jornal e noutros fora, que o turista cultural, ao demandar determinada região, determinada cidade, aldeia, precisa de ter um espaço para pernoitar, precisa de um espaço para tomar as suas refeições. Habitualmente este turista compra uma lembrança na terra que visita, gosta de regressar a casa com uma peça de artesanato que lhe faça recordar os momentos de estadia num determinado local.
Facilmente se vê que são os hotéis, os restaurantes, as lojas diversas daquela região que estão a beneficiar económica e financeiramente. Em derradeira análise é a região e a economia local quem beneficia: são empregos que se criam e se mantêm, são as populações que se fixam e não despovoam esses territórios.
Mas, não esqueçamos: foi o equipamento cultural, e a sua gestão activa e dinâmica que potenciou a atracção dessas pessoas…
Estamos, assim, perante a auto-sustentabilidade indirecta do Património Cultural e dos seus equipamentos.
Todavia, as novas formas de gestão cultural passam também por perspectivar o albergue nos diversos espaços culturais equipamentos que geram fluxo de verbas. É, hoje em dia, vulgar, natural e forçoso que os equipamentos culturais tenham acoplados espaços destinados à venda de determinados serviços: loja de souvenirs, cafetaria, restaurante, etc.
Aqui bem perto de nós, o Museu Nacional de Grão Vasco, em Viseu, possui precisamente um restaurante. O regime de exploração daquele espaço passa pelo arrendar do espaço e eventualmente pela participação nos lucros. São diversas as formas de se contratar um serviço daquela índole.
Não falte a imaginação ao gestor do Património Cultural e a sustentabilidade e rentabilidade, directa e indirecta, do património e dos seus equipamentos é uma realidade.
São estas, grosso modo, as linhas orientadoras das novas formas de gerir o património Cultural. Subjacente a este pensamento está a filosofia que considera a Cultura como factor de desenvolvimento económico; como factor gerador de receita e não de despesa, como factor de coesão socioeconómico.
Aquilo que leva a maioria dos agentes políticos a pensar e a agir na lógica antiga é a incapacidade que estes têm em distinguir que o aporte de pessoas e o consequente desenvolvimento económico da região é proporcionado pelo Património Cultural, e pelas modernas formas de gestão do mesmo.
É esta dificuldade em aceitar e verificar que o Património Cultural é um dos maiores motores, nos dias que correm, da economia dos povos, a par da Industria, do comércio e de outras actividades, que condiciona o próprio desenvolvimento da actividade e da gestão do Património Cultural.
É esta incapacidade de observar que o fluxo de pessoas, de turistas culturais (com carácter não sazonal, mas constante) é que gera um fluxo de capitais, que gera emprego e que fixa as populações.
Para além destas considerações verifica-se que, numa altura em que as mudanças económicas, sociais se fazem sentir por todo o planeta; numa altura em que os governos tendem a gerir as finanças de acordo com critérios de rigor e controlo mais acentuados e estreito, mais difícil se torna a subsidiação da Cultura e de outras práticas sociais.
Não há, portanto, alternativa que não seja o Património Cultural gerir-se numa lógica de estimulação da economia. Em sossego ficamos por saber que a Cultura e o Património Cultural não se desvirtuam, nem tão pouco se adulteram com a adopção destas práticas de gestão.
Ora, torna-se evidente que se existe toda uma “indústria”, toda uma rede de equipamentos que proporcionam um maior desenvolvimento económico e social; tudo isto tem que ser gerido por gestores especializados; gestores que desenvolvam políticas que elevem a Cultura e o Património Cultural à categoria de “actividade humana não subsídio-dependente”.
Esta linha de gestão leva em última análise, não à negação da própria cultura, como os mais puristas pensam, não à desobrigação do Estado face à cultura, mas sim à salvaguarda da própria Cultura e Património. Mais verbas existirão disponíveis para se investigar em cultura, para se investir em cultura, para se proceder a restauros e valorização de bens culturais.
É assim que pela Europa se faz; é assim que nos USA se faz, e todos nós sabemos como vai a Cultura e o Património nesses países. É este o pensamento que hoje impera nos países desenvolvidos e nas políticas que tendem à democratização do Património.
Sou abertamente a favor de uma cultura que concilie o lado da ética, da cultura pela cultura, com uma gestão que tem forçosamente de evoluir na dimensão acima apontada. Se assim não for, mais cedo ou mais tarde o nosso Património está completa e irremediavelmente degradado.

E creia quem me lê que o Estado, neste tipo de gestão do Património Cultural, não se furta ao papel de grande entidade tutelar.
 
<$Comentários$>:
Caro António Tavares,

Gostei muito da sua abordagem e não podia estar mais de acordo consigo.
Permita-me apenas que acrescente que, na minha opinião, o desenvolvimento do sector cultural em Portugal, para além da mudança das posturas e dinâmicas na gestão e dos espaços da cultura, passa pela educação das pessoas para os conteúdos culturais.
Não tenho dúvidas que os esforços do Governo, nesta área, devem passar, em primeiro lugar, pela educação para o património e para a cultura. Não adianta existir uma grande oferta cultural ou instituições correctamente equipadas e dinamizadas se as pessoas não estiverem familiarizadas e educadas para a cultura.
Neste sentido, defendo uma forte componente cultural desde cedo, nas escolas, mas é igualmente importante a implementação de medidas que possam aproximar as pessoas do património e das artes.
Penso que educar para a cultura é o ponto de partida!
 
Ora nem mais, meu caro... Tavares.
No que toca à divulgação de (algum) património eu cá vou andando às voltas com o Geocaching como sabes. Por exemplo, já muita gente ficou a conhecer o local das gravuras rupestres na Abadia de Espinho. E digo local, porque muitos que lá vão, não conseguem VER as gravuras e queixam-se da falta de limpeza na zona (muitas silvas), dos maus acessos etc.
Ou seja: Chamar as pessoas a Mangualde e depois mostrar "abandono" é contraproducente. Outro exemplo é a citânia... enfim, tu sabes! Já a Anta da Cunha Baixa, só merece elogios.

Já agora, os meus parabéns pelo novo cargo de Director do Jornal Renascimento. Bom trabalho...
 
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