NEOARQUEO
24 outubro 2005
  Alminhas - A Saga da Preservação

As alminhas são pequenos monumentos de cariz religioso. São também uma das mais originais expressões da arte popular portuguesa. As Alminhas são constituídas, invariavelmente, pelo retábulo e pelo oratório. È no retábulo onde figura a representação do Purgatório. Essa representação é feita através de pintura ou de painel de azulejos. Daí deriva o nome com que o povo as baptizou.
Situadas à beira dos caminhos, nas encruzilhadas, abundam no Norte e Centro, podendo encontrar-se também no Sul do País. Em termos artísticos as pinturas e/ou os azulejos são extremamente simples e até naif. O Purgatório é representado por uma grande fogueira expurgatória e, envolvidos nas chamas, pelos pecadores que, contorcidos, erguem as mãos ao alto, suplicando clemência. A intervenção misericordiosa dos Céus é feita pela representação de diversas figuras divinas ( Jesus Cristo Crucificado, a Virgem Maria, o Espírito Santo em forma de Pomba, entre outros) que intercedem em auxílio dos pecadores e vão retirando do suplício as almas entretanto purificadas. Um aspecto interessante que importa referir é que certos retábulos mostram cabeças de reis coroadas, frades, bispos com a mitra, etc, Depreende-se que até os poderosos não escapavam à justiça divina. Claro que as crianças não aparecem, pois a sua alma é pura…
Desconhece-se a origem destes monumentos, porém já os Gregos, Os Celtas, Os Romanos e outros povos da antiguidade erguiam monumentos à beira dos caminhos e nas encruzilhadas dedicados aos seus deuses protectores dos viajantes, por exemplo os Lares Compitales e os Lares Viales dos Romanos. A Igreja primitiva, na sua lógica de expansão do cristianismo, foi substituindo estes monumentos pagãos por cruzes de madeira e cruzeiros de pedra. Esta situação perdura por toda a Idade Média. Mas as Alminhas só aparecem bastante mais tarde. Não podemos esquecer que o dogma Purgatório não aparece, não faz parte da Arte Medieval. Só com o Concílio de Trento, em 1563, a Igreja reafirma dogmaticamente a existência do Purgatório. Assim, as Alminhas prendem-se inicialmente com este dogma, com o fascínio ancestral por determinados locais e ritos mágico-religiosos (encruzilhadas). Só a partir do século XVI é que em Portugal começam a surgir as primeiras representações do Purgatório. Assim, e devido à dificuldade de datar a maior parte destes documentos, só se pode aceitar a sua disseminação a partir do Século XVIII e XIX.
Apresento-vos a alminha do Alto da Cruz, situada numa encruzilhada que basicamente divide as terras de Cunha Baixa e as de Abrunhosa do Mato. O seu estado de conservação é lamentável. Urge o seu restauro. Pela minha parte cá continuarei disponível para ajudar as entidades locais na sua preservação.
 
<$Comentários$>:
Quem é que disse que na net não se aprende? Neste blog aprende-se. Gostei
 
"O seu estado de conservação é lamentável. Urge o seu restauro. Pela minha parte cá continuarei disponível para ajudar as entidades locais na sua preservação" Pois é meu caro amigo, continuamos no mesmo, falta capacidade nos politicos locais para olhar para o nosso património de outra maneira. No local onde vivo actualmente, no meu muro existe uma alminha que eu com muito carinho preservei e coloquei no devido lugar, se tivesse vindo mais tarde estas já não existiam, estariam decerto nas funduras de uma casa. A C.M.M. quando autorizou este loteamento não quiz saber embora as mesmas estejam no roteiro de Mangualde. Chamei a atenção dos responsáveisa mas estes nem resposta como é seu timbre. Mais uma vez Bem haja pela perseverança TSFM.
Terreiro
 
já agora uma pergunta. na minha aldeia dizia-se que as alminhas correspondiam a locais onde tinha sido morto alguem. um bocado à semelhança das cruzes que hoje marcam alguns locais nas estradas.
Pelos vistos não será o caso, ou falamos de coisas diferentes.
 
tal e qual mocho.. na minha terra diz-se precisamente a mesma coisa e ha la umas 3 ou 4 pedras dessas.. mt bom este blog.. parabens!
 
Mocho e Fornense, tem razão de ser a vossa questão. A tradiçaão oral das nossas aldeias refere de facto que as alminhas assinalam o local onde alguém tinha sido morto. Todavia, não é assim, mas existe uma certa ligação: recordam-se de eu ter escrito que a Igreja substituiu os monumentos pagãos por cruzes de madeira e cruzeiros de pedra, e que são bem mais antigos que as Alminhas, nos mesmos locais utilizados pelos romanos, e com as mesmas funções de protecção, mas tiveram também uma função de assinalar e recordar acontecimentos históricos:epidemias, mortes violentas,etc. Ora, as Alminhas vieram a ser implantadas, não na Idade Média, como os cruzeiros, mas nos seculos XVIII e XIX nos mesmos locais e substituindo-os e, embora só viessem pedir a oração pelas almas do Purgatório a quem passava, a tradição popular criou uma analogia com os cruzeiros primitivos que referi.
 
Um blog específico e de boa qualidade, claro, suscinto, de simples linguagem e que nos dá a conhecer a razão de ser e de existir de certos monumentos.
Desta forma tem-se a oportunidade de se conhecer um pouco mais a história do nosso concelho. Não há dúvida que a preservação de alguns monumentos depende de pequenas coisas, como por exemplo, da boa vontade de certas pessoas com poder para o fazer.
 
As “alminhas” segundo a tradição oral da minha aldeia (Guimarães de Tavares), serviam para as pessoas se lembrarem que esta vida é um caminho e como tal, quando passavam junto destas, com os seus animais para a lavoura, paravam para orar pelos que no purgatório esperam que o arcanjo São Miguel os leve para o céu - "Ó vós que ides passando / Lembrai-vos de nós que estamos penando / P.N.A.M."; "Pelas almas do Purgatório / Padre Nosso / Avé Maria"; "Nós penamos e vós zombareis / Mas lembrai-vos que em breve como nós sereis".
Em Guimarães de Tavares, como não há cemitério, existe uma alminha numa encruzilhada á saída da aldeia, onde os funerais param, são rezados os “padres nossos” e as “Ave-Marias” e partir dali a maioria das pessoas já não acompanha o funeral, o cortejo fúnebre acaba ali, actualmente o carro da agencia funerária arranca para o cemitério de Chãs de Tavares e quem tem carro segue-o, mas antigamente quando era a “carreta” a fazer o transporte da urna fazia-se o mesmo, a “irmandade” terminava ali os seus serviços. Esta alminha está muito bem conservada, sobreviveu a alargamentos de estrada, mas muitas, infelizmente, não são recuperadas quando o “progresso” as empurra e lhes passa por cima, outras estão abandonados e gastas pelo tempo e a nossa região até bem rica nestes tipo de monumentos.
Os Celtas também prestaram culto às divindades protectoras dos caminhos e encruzilhadas, gostava de saber se existe alguma relação entre as alminhas e os cruzeiros que aparecem nos caminhos e encruzilhadas?
 
Obrigado pelo contributo dado neste comentário. Enriquece em termos clturais o conhecimento que se tem das Alminhas e do "aproveitamento" funcional das mesmas nos dias de hoje. Quanto à relaçao das alminhas com as tradições Celtas é aquela que, sumariamente, expuz no artigo: Os celtas, tal como outros povos da Antguiade, erigiam onumentos junto às encruzilhadas e á beiras dos caminhos dedicados aos deuses protectores dos Viajhantes. As alminhas têm como objectivo apelar ao transeunte a oração pelas almas do Purgatório, daíquem rigor apenas se pode dizer que a semelhança cultural entre elas e os monumentos celtas é, fundamentalmente a localização ser a mesma, e uma posterior aculturação na função que se destinavam.
 
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