Um passeio ao Velho MUNDA...
Para comemoração do dia 10 de Junho (Camões, Portugal e Comunidades) eu e o António Joaquim decidimos ir ao "velho" Mondego e experimentar, a pé, o novo acesso aberto pelas equipes de técnicos da barragem. Bem, munidos de boa vontade, lá fomos.
Ao chegar ao primeiro túnel para os espigões do paredão (penso que é assim que se chama) demos de caras com o Luís que vinha lá de baixo, de ao pé da água. Entrou connosco no túnel, que estava com uma temperatura extraordinariamente refrescante para o calor que se fazia cá fora ( e que até nem era muito, mas...).
Percorremos um bom bocado de túnel. Depois, descemos definitivamente até ao rio, até à água. Pelos trilhos que hoje estão avivados pelos pescadores fomos até aos morros graníticos que suportaram as pontes (pontões) que por ali já existiram.
Ficámos por alguns momentos a admirar a acalmia das águas e detectámos buracos quadrangulares e outros circulares que serviam a estrutura de um pontão que hoje já não existe. Do outro lado da margem veêm-se também escavações no morro para suportar as traves de madeira que suportavam a ponte. Estamos a falar num nível cuja altura é de 232 metros.
Seguidamente subimos 5 metros para os 237 e alcancámos o pontão que ainda hoje existe, pese embora não tenha nehuma tábua de passagem, rigorasamente por cima do nível do antigo e primitivo pontão. Este pontão, que conserva os cabos de aço só servirá para os mais radicais (diria mesmo, para os militares "comandos" ou "rangers" fazerem treinos de alto risco). Neste nível lá estão os arranques do pontão e as tabuletas (dum lado e do outro das margens) a indicar que apenas as pessoas podiam transitar e a carga só poderia ser de 200 Kg). Ao lado, bem como no memso sítio da outra margem, está uma placa em cimento com uma inscrição que, dadas as dificuldades de acesso, não conseguimos ler com rigor, mas que além do escrito está dadatada de 2-1-1962.
Percorremos o trilho de regresso para ir visitar o velho moinho, completamente em ruínas que ali perto se encontra e que justificava a ponte.
Na realidade aquele investimento feito nos pontões: o primeiro não se sabe a data e que terá sido destruído com alguma cheia, foi substituído e colocado na plataforma 5 metros acima, só existiam e justificavam-se pela actividade de moagem que no lado da Abrunhosa do Mato, ao longo do Mondego sempre se verificou. Aqueles pontões serviam sobretudo para as pessoas de Girabolhos e também da Póvoa da Rainha (mas menos) virem ao lado de cá moer o miho.
A presença de Moinhos ao longo da margem direita do Mondego é uma constante e o mesmo não se verifica no lado esquerdo. A ditar esta realidade estão as características das margens: do lado direito as encostas são mais suaves e as plataformas criadas pelo próprio rio, ao longo dos milhões de anos, permitiu que a instalação de moinhos se verificasse predominantemente deste lado. Do outro lado, as vertentes acabam mais abruptamente na água. As plataformas fluviais não são propícias a construções perto da água.
Claro que estou a referir-me a um percurso que terá cerca de 30 km de extensão ao longo do rio, desde a Abrunhosa do Mato. A montante destes 30 Km não conheço a realidade, logo não posso tirar qualquer tipo de ilações. A jusante de Abrunhosa do Mato (a partir da Quinta da Barca) a situação repete-se. É também frequente apresença de moinhos nas plataformas do lado de Nelas e menos no lado de Seia. Pelo memos até às Caldas da Felgueira. Daí para a frente também desconheço.
Uma outra ilação interessante é a vida ribeirinha que sempre e desde tempos remotos ali se desenvolveu. Não me refiro apenas à "industria" da moagem, mas à agricultura de sucalcos que se pode observar, neste caso nas duas margens. Houve grandes investimentos de tempo, de dinheiro, de trabalho na construção de muros que suportam os sucalcos, de casas, hoje a maioria em ruínas. Hoje o rio separa, nos tempos remotos o rio juntava as pessoas, as comunidades dum lado e do outro das margens.
Foi uma forma de vida que hoje se encontra completamente extinta. Nos últimos 50 a 60 anos as pessoas viraram costas ao Mondego e concentraram os seus esforços agrícolas nos terrenos à volta das aldeias.
O desenvolvimento das Vilas e das cidades, no fundo a Industrialização, os serviços e a emigração para outros países (sempre presente na Abrunhosa do Mato, e noutras aldeias do concelho de Mangualde e também nas aldeias ribeirinhas dos Concelhos de Gouveia e Seia, fizeram com que houvesse um êxodo do Mondego. Isto deu lugar a um completo abandono de todas as actividades agrícolas e de moagem localizadas nos sucalcos do Rio.
Os pinhais, outrora limpos, foram sendo invadidos pela vegetação rasteira. Estava aberto o caminho para a onda de incêndios que sempre assolou (pelo menos nos últimos 30 anos) as duas encostas do Mondego. Hoje as giestas, as silvas e outro tipo de vegetação que cresce com os incêndios invadem por completo aquelas encostas.
A barragem vai encarregar-se do total desaparecimento destas extintas formas de vida. Para a História vão ficando alguns destes registos fotográficos e fílmicos e a memória de paisagens que ainda baila nas nossas cabeças. Para a História ficarão os relatórios dos técnicos que nos estudos de Impacte Ambiental relatarão todas os vestígios das várias formas de vida: humana, animal, vegetal, etc. que se perderão. É o progresso a substituir-se ao antigo progresso. É, em rigor, o Devir Histórico. Irónicamente a Barragem há-de servir para que o velho Mondego junte novamente as pessoas, as comunidades das duas margens, mas desta vez com actividades e por motivos distintos dos de antanho.